Entrevista com o Dr. Nivaldo Alonso na Jornada Paulista Reconstrutiva 2022

1. Dr. Nivaldo Alonso, conte-nos sobre sua formação e especialização junto a SBCP.

Fiz a graduação em Medicina, entre 1973 e 1978, na Escola Paulista de Medicina e depois de dois anos de cirurgia geral, entrei na residência de Cirurgia Plástica por três anos na Faculdade de Medicina da USP, sob a chefia do Prof. Dr. Orlando Lodovici, serviço credenciado pela SBCP. Permaneci no ano subsequente como preceptor dos residentes de Cirurgia Plástica. Foram quatro anos de treinamento em Cirurgia Plástica.

Durante este período, fui exposto de maneira bastante intensa à cirurgia reparadora e, com certeza, este foi um motivo importante para buscar mais conhecimento específico logo após o término da minha formação.

A cirurgia craniomaxilofacial foi a escolhida porque à época grandes nomes da Cirurgia Plástica se dedicavam a ela, com destaque aos Drs. John Marquis Converse, Daniel Marchac, Kenneth Salyer e, sobretudo, o Dr. Paul Tessier.

Durante minha residência, em 1983, tive a oportunidade de assistir uma palestra dada por Dr. Paul Tessier em Campinas sobre aspectos estéticos da cirurgia craniofacial, em um simpósio organizado pelo Prof. Dr. Cássio Raposo do Amaral.

Nesse período, a SBCP dava muita ênfase à cirurgia reparadora e lembro-me de frequentar grandes cursos organizados em São José do Rio Preto na Clínica Imagem pelos Drs. Melquiades, Bozola e outros.

Logo a seguir ao término da minha formação, tive uma oportunidade ímpar de fazer estágios no exterior, grande parte em Paris, onde o contato com grandes expoentes da Cirurgia Plástica com dedicação à cirurgia craniomaxilofacial me fez mergulhar fundo nesta área de atuação e curiosamente tanto Daniel Marchac como Paul Tessier faziam muita cirurgia puramente estética.

Após esses anos de estudo, tive uma oportunidade profissional para ficar ligado à Universidade de São Paulo. Fui admitido, por concurso, na Unidade de Tratamento de Queimaduras, entre 1987 a 1991.

Curiosamente, após a obtenção do meu doutorado, em 1992, tive muita vontade de seguir carreira fora da Universidade, mas graças a um grande estímulo de cirurgiões como o Dr. Jorge Ishida e o Dr. Luiz Kamakura consegui me manter ligado a carreira universitária, prestando, posteriormente, concurso de Livre Docência e concurso para Professor da FMUSP.

Embora a SBCP tenha tido papel importante na minha formação inicial com grande estímulo a todos os tipos de procedimentos, ao longo dos anos subsequentes, fui me afastando, por motivos circunstanciais de maior envolvimento dos seus dirigentes com cirurgia puramente estética. Consequentemente, fui me envolvendo mais pontualmente em Sociedades paralelas como a Associação Brasileira de Cirurgia Craniomaxilofacial e a Associação de Fissuras Labiopalatinas, onde havia um maior incentivo para as cirurgias reparadoras, embora o aspecto final estético sempre fosse o resultado almejado.

2. Sempre se noticiou no Brasil, que as cirurgias reconstrutivas/reparadoras são em menor número do que as cirurgias estéticas. Como o senhor avalia essa questão?

Minha observação pessoal é que seguramente as cirurgias reparadoras são muito subestimadas e devem ser, em números, semelhantes ao das cirurgias estéticas. Centros de fissurados em São Paulo, Paraná, Minas Gerais e outros centros de tratamento de queimaduras por todo o país realizam muitos procedimentos, provavelmente pouco contabilizados. Atualmente, muitas cirurgias reparadoras são realizadas por outros especialistas médicos e, mais recentemente, por outras áreas não médicas como a odontologia. Em minha opinião, isso ocorre por uma grande deficiência na formação básica do cirurgião plástico nos serviços credenciados. Este fato se faz claro hoje em dia, até mesmo em cirurgia estética, com os cursos paralelos para ensinar jovens como colocar prótese de mama e voltar a trabalhar em 24 horas, ou então os cursos de rinoplastia aos montes junto com cursos altamente especializados em lipoaspiração.

3. Atualmente, os serviços credenciados da SBCP são grandes centros de estudo e aprendizado para cerca de 700 residentes. Como aprimorar, incentivar os jovens e futuros cirurgiões a se interessarem pelas principais cirurgias reconstrutivas?

Infelizmente, muitos serviços credenciados não expõem os residentes à cirurgia plástica como deveria ser feito. Desta forma, fica muito difícil aprimorar e incentivar os jovens a se interessarem pelas cirurgias reparadoras. Um bom exemplo está no tratamento da fissura labiopalatina e outras malformações faciais em crianças, onde um número muito reduzido de serviços oferece a oportunidade aos jovens de estarem em contato com uma das deformidades que melhor representa a essência da cirurgia plástica, desde embriologia, genética e tratamento cirúrgico de deformidades de partes moles, estruturas ósseas e a grande necessidade de reintegrar integralmente estes pacientes à sociedade.

Fica claro que quando os jovens são expostos e estimulados por grandes cirurgiões tanto em cirurgia reparadora como estética, o resultado é um aumento de cirurgiões interessados. Tenho um grande orgulho de ver meus alunos na época de residente, hoje se tornarem grandes referencias em cirurgia plástica e cirurgia craniofacial. Menciono alguns com grande destaque, tais como Prof. Dr. Renato da Silva Freitas, Dr.ª Daniela Tanikawa, Dr. Victor Pochat, Dr. Endrigo da Silva Basto e muitos outros que poderiam ser enumerados aqui por horas. Isto sem contar os brilhantes alunos de doutorado como o Dr. Cassio Eduardo Raposo do Amaral, Dr. Cristiano Tonello, entre outros, que têm hoje uma grande atuação nacional e internacional.

4. Na Jornada Paulista Reconstrutiva, realizada pela SBCP – Regional São Paulo, nos dias 28 e 29 de outubro, o senhor foi bastante questionado pela plateia, evidentemente por sua larga vivência na área reconstrutiva, de como estimular o interesse dos residentes em dominar as cirurgias básicas de reconstrução. Em sua opinião, como a SBCP pode contribuir neste processo?
Dr. Nivaldo Alonso (centro) presidindo mesa onde discutiu a falta de interesse por parte dos residentes na cirurgia reconstrutiva.
Dr. Nivaldo Alonso (centro) presidindo mesa onde discutiu a falta de interesse por parte dos residentes na cirurgia reconstrutiva.

Seguramente, a atuação direta nos serviços credenciados, exigindo destes para seu credenciamento um mínimo de cirurgias reparadoras que melhor representam a cirurgia plástica, tais como de deformidades congênitas, traumatismo faciais e reconstruções complexas com o uso de microcirurgia.

Há algum tempo, cirurgias que eram de domínio do cirurgião plástico estão mudando de especialidade, em decorrência da falta de formação nos serviços credenciados, como cirurgias das pálpebras, hoje dominada por oftalmologistas, rinoplastias, pelos otorrinolaringologistas, e até mesmo cirurgias dos genitais, que no meu tempo de residência eram realizadas por cirurgiões plásticos. Vejam o exemplo dos reimplantes e a cirurgia da mão, iniciados por cirurgiões plásticos e atualmente com poucos ou quase nenhum cirurgião plástico que as realizam.

Em segundo plano, vejo como essencial a necessidade de exposição frequente destes temas em congressos e simpósios, com o devido destaque, e não em horários muito indevidos. A SBCP deve exigir dos serviços credenciados presença obrigatória dos seus residentes em simpósios como o realizado pela Regional São Paulo, em outubro deste ano.

5. Fale-nos a respeito do atual estágio da cirurgia craniomaxilofacial no Brasil. Somos referência mundial ou estamos caminhando para isso?

A cirurgia craniomaxilofacial brasileira tem um grande destaque mundial com serviços bem renomados e com um grande número de publicações cientificas e participações em congressos internacionais.

Temos atualmente serviços que são referência mundial para tratamento de deformidades craniofaciais congênitas como o Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais de Bauru (Centrinho) e o Hospital SOBRAPAR de Campinas.

Nos últimos dois congressos internacionais, CLEFT 2022, em Edimburgo e ACPA em Dallas, o Brasil teve o maior número de trabalhos científicos aceitos para apresentação oral.

A maior concentração de cirurgiões craniofaciais sempre esteve dentro da SBCP, a ponto da ABCCMF ter sido fundada dentro de um Congresso de Cirurgia Plástica em Belo Horizonte, em 1994, por um grupo de cirurgiões plásticos, com destaque para Dr.ª Vera Cardim, Dr. Sergio Moreira da Costa, Dr. Ricardo Lopes da Cruz, por mim e muitos outros colegas, sendo os dois últimos presidentes desta associação cirurgiões plásticos da SBCP, o Dr. Cassio Eduardo Raposo do Amaral e o Dr. Endrigo da Silva Bastos.