O psicólogo no auxílio do paciente em cirurgia plástica, os transtornos de personalidade e a influência da mídia.

Há uma década, entrevistando o professor Ivo Pitanguy, sobre a importância de o cirurgião plástico ter que “incorporar” o psicólogo na consulta junto ao futuro paciente, ele me respondeu – “Em toda primeira consulta ou quando o transtorno corporal é visível, o auxílio de uma profissional da Psicologia é essencial.” – por Raul Kury

Camila Cristina Silva Mendes*

Como psicóloga na área da cirurgia plástica, tenho observado um crescente número de pacientes que apresentam diferentes tipos de transtornos mentais como o transtorno de personalidade borderline, de personalidade narcisista, o transtorno obsessivo compulsivo, o dismórfico corporal e outros.

Difíceis de serem diagnosticados apenas pelo cirurgião plástico, alguns tipos de transtornos mentais são capazes de gerar distorções em relação à própria imagem corporal e criar todo tipo de transtorno no pós-operatório para o cirurgião e sua equipe.

A importância do acompanhamento psicológico no pré e pós-operatório, para identificar transtornos nesses pacientes e a presença de uma equipe multidisciplinar humanizada, atualmente têm se tornado uma realidade necessária.

O psicólogo é um aliado da cirurgia plástica por oferecer um atendimento personalizado e sigiloso em que o paciente terá a oportunidade de expor suas expectativas e possíveis ansiedades em relação à cirurgia. A entrevista psicológica é uma forma de compreender e atender as necessidades individuais por meio de orientações e técnicas terapêuticas.

Seu papel na cirurgia plástica surge como facilitador da cirurgia, ajudando o paciente a obter maior satisfação com os resultados porque esse profissional de saúde é como uma ponte entre o paciente e o cirurgião plástico e sua equipe.

Transtornos de personalidade – Estudo de um caso concreto.

“Nem tudo que se vê é realmente o que pensamos”, é uma frase que resume a

psicopatologia do Transtorno de Personalidade Borderline, marcada por um acentuado nível de instabilidade e de difícil detecção no pré-operatório de cirurgia plástica, pois seus sintomas são comuns a outros transtornos. Tenho presenciado um aumento no número de pacientes em programação de cirurgia plástica diagnosticados com esse transtorno e quero contar nesta coluna o caso de uma paciente que acompanhei e cuja história se tornou base de um artigo científico.

Essa paciente procurou o cirurgião plástico por estar insatisfeita com o seu queixo, que considerava pequeno. Durante o atendimento pré-operatório, o cirurgião não detectou qualquer alteração psicopatológica na paciente. Mas, ainda na sala de recuperação, logo após a mentoplastia de aumento com prótese, ela ficou agitada e com comportamento agressivo, ofendendo a equipe. No fim de semana seguinte, ela enviou insistentemente mensagens ao

cirurgião com queixas sobre “desastre em seu rosto”. A cada dia seu comportamento se tornava mais agressivo e obsessivo, passando

inclusive, a fazer ameaças ao cirurgião plástico. Impossibilitado de manter qualquer diálogo racional com a paciente e sem alternativa, decidiu encaminhá-la para outro cirurgião, de cuja equipe faço parte.

Assim, durante o acompanhamento psicológico pude avaliar e detectar que a paciente era portadora de Transtorno de Personalidade Borderline. O segundo cirurgião resolveu então submetê-la a uma pequena cirurgia complementar.

Após esta cirurgia a paciente passou por um período de felicidade e gratidão, em relação ao resultado e à equipe, mas em seguida voltou a ter o mesmo comportamento agressivo e ameaçador de antes. Repetiu as ameaças que já havia feito para o primeiro cirurgião, inclusive ameaças de morte. Diante da insatisfação, impulsividade, agressividade e ameaças, chegamos ao limite de termos que suspender o seu atendimento/tratamento.

O paciente Borderline atinge um baixo grau de satisfação com os resultados dos procedimentos, solicitando correções por impulsividade, para evitar o abandono do cirurgião plástico e sua equipe. São pacientes que entram com processos judiciais contra o cirurgião plástico. Vários profissionais da área da saúde, principalmente cirurgiões plásticos, acabam adoecendo quando

deparam-se com este tipo de paciente. Por isso, o acompanhamento psicológico pré-operatório é fundamental para avaliar se as motivações são realistas, e possibilitar uma intervenção, se houver algum desajuste ou mesmo impedimento. O psicólogo é o articulador entre o paciente e o cirurgião plástico, e pode prevenir o adoecer de ambos.

A Influência da mídia como hipnose coletiva.

A mídia possui ingredientes que fazem parte do processo de hipnose e sedução produzidas pelas imagens. Estes pacientes, ao se deparar com as fotos de “antes e depois” publicadas nas redes sociais, fantasiando que o seu

resultado será o mesmo que foi apresentado nestas imagens, poderão ficar insatisfeitos com o resultado final da cirurgia. E, em virtude do resultado, entrar em depressão e desencadear sintomas psicossomáticos.

Caso o paciente apresente algum transtorno de personalidade, que não foi identificado desde o início, ele será um forte candidato a causar dissabores

futuros para o cirurgião plástico. Dessa forma, o “efeito mídia” gera expectativas às vezes surreal e até provocam uma sublimação de resultados.

Como bem sabemos, a Medicina não é uma ciência exata. Cada organismo reage de maneira diferente, individualizada e personalíssima. Ao procurar o cirurgião plástico, o paciente está com inúmeros questionamentos movidos por inseguranças, incertezas e expectativas. O apoio psicológico no pré-operatório é importante para identificar os anseios (reais ou imaginários) e avaliar se estes anseios têm como objetivo uma mudança no corpo para a melhora de sua autoestima, ou se houve influência de influenciadores digitais, celebridades, ou fotos postadas nas redes sociais.

* Formada em Psicologia, especialista em saúde mental e formação em terapia do esquema e, desde 2014, realiza acompanhamentos psicológicos em equipe de cirurgia plástica – CRP-04/26917.