Dr. Adrien Alberto Fornazari – Triathlon – como eu organizo os treinos e a importância da atividade física na carreira

Sempre fui apaixonado por esportes e tentei praticar atividade física. Durante o colégio praticava lutas (jiu-jitsu e capoeira), jogava tênis, futebol e tinha a bicicleta como meio de transporte. Na faculdade, joguei rugby, um esporte duro, mas que trouxe muitas boas amizades e uma boa experiência competitiva nos torneios universitários. Durante a residência médica de cirurgia geral, o tempo era escasso e a atividade física ficou restrita à musculação, mas foi nesta época que tive o primeiro contato com o triathlon influenciado por minha namorada, que praticava a modalidade. Fiquei apaixonado pelas lindas bicicletas e pela atmosfera de superação que o esporte trazia. Então, comprei minha bicicleta no segundo ano de residência de Cirurgia Geral e comecei a me aventurar no ciclismo e na corrida, ainda como hobby, aos finais de semana. Sabia que tinha potencial para evoluir no esporte, mas naquele momento não enxergava como conciliar as atividades.

Mesmo depois de concluir a preceptoria da Disciplina de Cirurgia Plástica da FMUSP e a especialização em Microcirurgia Reconstrutiva, o esporte ainda estava de lado. As preocupações e incertezas do início da carreira pesavam, de modo que, mesmo tendo algum tempo livre, não me permitia dispender energias com o esporte. Desta maneira, fiquei por três anos (2016 a 2018), ganhando peso e a deixando o corpo à deriva dos eventos sociais. Quando, depois de uma forte ressaca, decidi virar a chave e priorizar o que me deixava melhor, o esporte. Comecei a encarar aquele tempo de treino como algo necessário para conseguir se sentir mais leve, mais confiante e render melhor no trabalho também. Foi preciso mudar a mentalidade para permitir dispender tempo a mim mesmo. Assim, comecei a treinar corrida e a me desafiar nas provas aos finais de semana. Percebi rapidamente que o corpo começou a mudar e a se adaptar… Emagreci e fiquei mais forte, mais resistente. Consegui realizar algumas meias-maratonas e a Maratona de Berlim em 2018. Foi uma experiência incrível superar limites e concretizar todas aquelas grandes mudanças.

Logo depois, em 2019, decidi juntar a paixão pela bicicleta com a corrida, então veio o triathlon. Algumas adaptações foram necessárias para conseguir encaixar dois treinos por dia e praticar três esportes. Dormir mais cedo para acordar mais cedo foi a principal condição para conseguir treinar antes de trabalhar. Alterno treinos de corrida e ciclismo pela manhã, iniciando a corrida às 06:00 h da manhã no Parque Ibirapuera e o ciclismo às 05:20 h da manhã. Os treinos de ciclismo são feitos na rua (Cidade Universitária e Ciclovia Marginal Pinheiros) e em casa, com a bicicleta no rolo de treinamento. Passei a iniciar as cirurgias às 08:00 h da manhã e fazer consultas no período da tarde, deixando os treinos de natação e fortalecimento para o período da noite. Os treinos longos e competições acontecem nos finais de semana, aos sábados ou domingos, sempre deixando um dia para o descanso (day off). Em geral, não opero aos finais de semana, mas é fundamental ter flexibilidade para cumprir as atividades e aproveitar também as janelas de tempo livre no meio de dia quando surgirem. Sem dúvidas encaixar todas as atividades é o maior desafio!

Realizei várias provas de triathlon em distâncias menores, inicialmente (sprint e olímpico) como o Troféu Brasil e Triathlon Internacional de Santos, evoluindo depois para distâncias maiores (Iron Man 70.3), além de várias provas de corrida e ciclismo. Fui melhorando o desempenho nas competições, os recordes pessoais e o melhor de tudo, curtindo aquele processo de encaixar as atividades de treino e trabalho sem desperdiçar o valioso tempo. Para isso, algumas dicas práticas englobam a melhoria da higiene do sono, carregar consigo lancheira e malas de treino, tomar banhos no vestiário do centro cirúrgico, centralizar as atividades em um mesmo hospital, assinar termos de consentimento antecipadamente e fazer a demarcação do paciente em consultório na véspera da cirurgia. Para evitar sobrecarga de cansaço, evito realizar treinos muito intensos ou longos antes de cirurgias com mais de seis horas. Também procuro manter a rotina de treinos quando estou viajando e geralmente escolho hotéis com academia! Uma ótima dica também é combinar viagens de competição esportiva com turismo, como nas grandes maratonas internacionais.

Quanto ao treinamento esportivo em si, acredito ser fundamental ter um treinador ou assessoria esportiva para prescrever os treinos de forma individualizada, geralmente seguindo ciclos de sobrecarga progressiva intercalados com repouso e variação de estímulos em diferentes zonas de intensidade. Realizar ciclos visando um calendário de competições ou apenas treinamento para evolução pessoal. Em alguns períodos, é preciso treinar cansado (sobrecarga), ao passo que, em outros, é importante treinar leve e priorizar o descanso. Para organizar esta matemática, é fundamental ter orientação especializada e se valer de todas tecnologias que modernizaram o esporte. Relógios com GPS, medidor de frequência cardíaca, medidor do ritmo da corrida (pace), medidor de força da pedalada (potência), estatísticas de qualidade de sono são exemplos de ferramentas que nos ajudam a dosar a carga de treinamento e recuperação. A prática do ciclismo indoor é uma ótima ferramenta, que nos economiza tempo e teve forte crescimento durante a pandemia. As bicicletas presas em rolos inteligentes simulam experiência em diferentes relevos, além da interação entre os praticantes no mundo virtual (Zwift), que podem treinar juntos e até mesmo competir.

Acredito que o preparo físico é um fator diferencial para nós cirurgiões, que buscamos longevidade na carreira. Além de nos ajudar a suportar horas e horas em pé, o esporte nos traz higiene mental e funciona de forma semelhante à meditação, quando entramos em estado de equilíbrio e nos concentramos apenas na coordenação motora e respiração. Os esportes de endurance de forma geral ajudam a desenvolver força mental e a resiliência, pois treinamos fazer força justamente durante a fadiga e a suportar as sabotagens da mente, que pede para desistirmos nos momentos de maior dificuldade. Sem dúvida, esta capacidade mental é transferível para lidar com as dificuldades em outras áreas da nossa vida. Da mesma forma, a capacidade de divisão das tarefas nos faz valorizar melhor o tempo e aprender a equilibrar os pilares da família, trabalho, esporte e vida social. Sou fã do recordista mundial da maratona, o queniano Eliud Kipchoge. Não somente por termos a mesma idade (38 anos), mas pela filosofia de vida simples do campeão. Ele prega que cultivemos pensamentos positivos para que possamos atravessar situações difíceis, diz que devemos ser autodisciplinados e saber dizer “não“, pois é verdadeiramente livre quem não é escravo das paixões e das vontades passageiras. Eliud Kipchoge é o único ser humano que correu a distância da maratona abaixo das duas horas (documentário – Kipchoge: The Last Milestone), quando terminou dizendo “No human is limited.”. Com certeza, não correrei a maratona tão rápido quanto ele, mas acredito que todos podemos evoluir, no esporte e na vida. Podemos treinar melhor, operar melhor e nos tornarmos pessoas melhores!