Diretoria da Regional São Paulo (Drs. José Octavio, Jorge Abel e Flávio) com o Dr. Antônio Roberto Bozola, presidente de honra da I Jornada do Interior 2022.

Entrevista com o dr. Antônio Roberto Bozola

1. Conte-nos, por favor, o histórico de sua trajetória profissional junto à SBCP.

Ao concluir o curso médico na USP-Ribeirão Preto, me mudei para Rio Preto para fazer estágio de cirurgia geral com Dr. Serra Dória, o mais exímio cirurgião geral que já vi e que desenvolveu uma técnica cirúrgica para correção de megaesôfago chagásico.

Contudo, já tinha os olhos voltados para a cirurgia plástica, desde o quinto ano, quando me deparei com o livro de Jorge Fonseca Ely.

Fui apresentado a dois cirurgiões plásticos que trabalhavam na Santa Casa. Um deles foi o Dr. Melchíades Cardoso de Oliveira, que havia se especializado em Baltimore (EUA) e voltou para sua terra natal em 1951 e instalando um serviço e convidando o Dr. Valdemar Mano Sanches que havia estagiado com Dr. Roberto Farina em São Paulo, ele também de Rio Preto.

Após um ano de cirurgia geral e algumas idas e vindas da vida, o Dr. Melchíades, sabendo da minha vontade de especializar-se em cirurgia plástica, pois nas horas vagas eu frequentava e auxiliava os dois, me disse: “Antônio, a SBCP está constituindo centros de treinamento de estagiários e são necessários três cirurgiões, mas aceitam que o terceiro esteja ainda sendo treinado por nós. Você aceitaria?”.

Demorei um segundo para responder e já iniciei no dia seguinte. Eu já fazia parte de uma equipe de gastrocirurgia no Hospital de Beneficência Portuguesa, mas voltei atrás. Era o sonho se realizando.

Fui o primeiro estagiário no serviço sob a regência de Melchíades, e como já fazia parte da equipe de professores de cirurgia geral da Faculdade de Medicina, ele me permitiu continuar lá. O Hospital de Base estava iniciando as suas atividades com 30 leitos. Era 21 de julho de 1970. Hoje, são 1200 leitos. Penso que fui o primeiro estagiário regular da SBCP.

Com o apoio de Melchíades e Valdemar, em 1983, iniciamos outro centro de treinamento na Faculdade, autorizado pelo MEC e SBCP que conta hoje com três vagas ao ano e muito trabalho.

Na Faculdade, fui diretor de ensino por três gestões, subchefe e chefe do departamento de cirurgia, diretor pro tempore e fundador e atual regente do serviço de cirurgia plástica, conselheiro fiscal e hospitalar.

Obtive o título de Doutorado pela UNIFESP, orientado pela Profª Drª Lydia Masako Ferreira.

Frequentei todos os congressos da SBCP e também todas as jornadas paulistas, exceto nos últimos dois anos por causa da Covid-19, muitas delas com participação ativa em mesas, aulas e debates. Fui coordenador dos capítulos e dos cursos dos congressos da SBCP nas gestões de Niveo e Chaves.

2. O senhor participou ativamente dos eventos da SBCP em São José do Rio Preto. Como foram esses encontros no passado e quais mudanças, em sua opinião, necessárias para os dias atuais?

Dr. Melchíades tinha paixão por aprender e ensinar por meio de livros e revistas (ele assinava todas as existentes no mundo). Sua mesa era repleta destes livros e revistas e precisávamos afastar esses tratados para vê-lo do outro lado. Lia tudo e grifava o que era importante. Eu lia depois o que estava grifado.

Todos os anos, ele convidava para vir aqui algum renomado professor que ficava operando conosco durante uma semana, por exemplo Henrique Jorge Bulcão de Morais (primeiro cirurgião de mão no Brasil), Raul Couto Sucena (queimados), Marcus Castro Ferreira (microcirurgia), Roberto Corrêa Chem (microcirurgia) e inúmeros outros.

Ele ia aos congressos e, ao assistir aulas de assuntos novos, imediatamente convidava o apresentador para vir para Rio Preto. Era o inicio da era dos retalhos miocutâneos e microcirurgia. O time foi crescendo e então se marcava uma semana a cada ano para juntar todos. Depois, por minha solicitação, acrescentou-se tudo sobre procedimentos de mamas.

Vinham então cirurgiões jovens e maduros de todo o Brasil: Chem, Nassif, Júlio Hochberg, Erfon, Rui Vieira, Kogut, Psillakis, Lydia, Lyacir, Claudio Rebelo, Sepúlveda, Costa Lima, Lindolfo Chaves e muitos outros.

De manhã, eram realizadas as cirurgias demonstrativas na Santa Casa e como não havia a tecnologia de transmissão externa todos entravam na sala e havia uma arquibancada na sala principal e nas outras, com todos em volta da mesa cirúrgica. À tarde, as atividades eram no laboratório de anatomia da Faculdade, com cadáver fresco e à noite as atividades se prolongavam até às 22 horas, no Hotel Nacional. As projeções eram em slides. Hoje, a tecnologia ajuda muito, mas diluiu o processo de osmose entre os participantes que havia antigamente. É através da conversa “de pé do ouvido” que se aprende muito mais.

Então, surgiu a ideia de produzir um livro de retalhos miocutâneos e Júlio Hochberg encabeçou a ideia. O primeiro livro de retalhos do Brasil. O Júlio conseguiu fazer com que a AMRIGS produzisse o livro a preço de custo e, nesse momento, eu disse a ele que havia conseguido um patrocinador. Quando Júlio me ligou dizendo que a impressão do livro tinha ficado pronta, eu disse que a história do patrocínio era mentira. Então, foi feita uma “vaquinha” entre os autores e, com a venda de algumas unidades, finalmente, o livro se concretizou com uma tiragem de mil unidades.

Posteriormente, houve um novo projeto de lançamento de livro, mas desta vez Júlio conseguiu que a Editora Medsi assumisse o projeto. Desta vez, não houve a necessidade de “patrocínio”.

Foram realizadas, em Rio Preto, três Jornadas Paulistas, mais de 20 simpósios anuais e o XII Congresso Brasileiro, em 1975, com o recorde de 313 inscrições e a presença de Pitanguy e Strömbeck e, naturalmente, Melchíades foi eleito presidente de SBCP para o período 1984-1986.

Como não tínhamos uma revista da SBCP, Júlio e eu iniciamos os trabalhos de convencimento do presidente para institui-la. Combinávamos um horário e eu ia para a sala do Melchíades, ao mesmo tempo em que o Júlio ligava de Porto Alegre. Quando o chefe começava a ter blefaroespasmo à direita, seu sinal característico da tensão, eu mudava de assunto e o Júlio interrompia desligava. Depois, voltávamos outro dia para fazer o mesmo processo. Conseguimos lançar a revista no final da sua gestão, mas como havia a necessidade de uma autorização do Conselho da Sociedade foi confeccionado um número zero experimental da revista. Depois, na gestão de Juarez Avelar, houve o deferimento pelo conselho. Então, a revista número zero foi relançada oficialmente como o primeiro número da Revista da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Júlio foi o seu primeiro editor. Eu tive também a honra de ser editor entre 1992 e 1997. Hoje, sou coeditor.

Melchíades era tão apaixonado por livros que nossa equipe comprou, da viúva de Vladimir do Amaral, a biblioteca que este tinha adquirido da viúva de Rebelo Neto, um dos primeiros cirurgiões plásticos do Brasil, senão o primeiro.

Esta biblioteca está hoje em minha posse com livros históricos tais como o livro sobre rinoplastias de Joseph e sobre fissuras labiopalatais de Victor Veaux, ambas com dedicatórias a Rebelo Neto. Quando encerrar minha carreira, esses livros serão doados à SBCP.

Então, Rio Preto, desde 1951 e sob a liderança de Melchíades, tem tradição de cirurgia plástica honesta, ética, comprometida com nossa sociedade civil, e com a SBCP. Um dos nossos estagiários, o Dr Dênis Calazans Loma, chegou a Presidência da SBCP. Infelizmente, algumas exceções andam por aí a sujar essa tradição.

Diretoria da Regional São Paulo (Drs. José Octavio, Jorge Abel e Flávio) com o Dr. Antônio Roberto Bozola, presidente de honra da I Jornada do Interior 2022.
Diretoria da Regional São Paulo (Drs. José Octavio, Jorge Abel e Flávio) com o Dr. Antônio Roberto Bozola, presidente de honra da I Jornada do Interior 2022.
3. Qual a importância de São José do Rio Preto sediar as Jornadas e até um Congresso da SBCP?

Para os cirurgiões da nossa região, é uma honra receber os diretores da SBCP-SP e a presidente da SBCP-Nacional e 330 inscritos na reta final da pandemia de Covid-19, como aconteceu em 1 e 2 de abril.

E também para a sociedade civil conhecer a importância da cirurgia plástica regional que teve, historicamente, o primeiro cirurgião plástico brasileiro oriundo de em uma cidade de interior com 50 mil habitantes à sua época e que realizou tanto pela nossa especialidade. E defendo que temos que continuar e deixar esse legado do trabalho iniciado por ele.