Prof.ª Maria Madalena Silva e o ensino de Cirurgia Plástica em Botucatu.

1. Prof.ª Maria Madalena, conte-nos sobre sua formação e especialização.

Eu me formei em 1976. Cursei Medicina de, 1971 a 1976, pela antiga Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas de Botucatu (FCMBB), atual Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB) e parte da Universidade Estadual Paulista – (UNESP). Esta faculdade havia sido planejada para ser um polo de pesquisa experimental do Estado de São Paulo, de então, com estrutura curricular 2-2-2 (dois anos básicos, dois pré-clínicos e dois de internato), com laboratórios de pesquisa experimental, integração de aulas com Ciências Biológicas (Bacharelado), Medicina Veterinária e Agronomia, departamentos multiprofissionais e algumas outras boas coisas que não existem mais atualmente (sem ser saudosista …). Seus docentes trabalhavam em regime de dedicação exclusiva e horário integral.

Fiz a residência médica no Hospital dos Servidores do Estado IPASE-RJ, entre 1976 e 1981. Na época, era um dos poucos hospitais públicos brasileiros com acesso direto à especialização em Cirurgia Plástica, sendo um centro de aperfeiçoamento de excelência e cuja organização da residência médica era do tipo colunar, isto é, com o acesso às especialidades tendo como pré-requisito a residência em Cirurgia Geral. Realizei o concurso em setembro de 1976 e fui aprovada. Felizmente, não passei qualquer estresse no final do 6º ano de Medicina.

Todos os anos, eram seis vagas em Cirurgia Geral (júnior, assistente 1 e assistente sênior) e duas vagas para residentes em Cirurgia Plástica (júnior, assistente-1, assistente-sênior) com bolsa integral que incluía moradia, alimentação, uniformes entre outros benefícios.

Fui orientada a escolher um hospital geral de grande porte, complexo, para que tivesse a formação mais abrangente possível. Na época, os maiores hospitais do Brasil com este tipo de estrutura eram o HSE (Hospital dos Servidores do Estado – IPASE) e o HCFMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP-SP).

Escolhi esta instituição pois o seu hospital geral contava com mais de 100 leitos (105 leitos de cirurgia geral e 18 de cirurgia plástica), acreditação norte-americana e, na época, era considerado o melhor hospital do Brasil. Na época, desconhecia que este era o hospital da cúpula diretiva do estado brasileiro de então, isto é, os defensores do estado de exceção em que vivíamos.

O hospital possuía 23 salas de centro cirúrgico, totalizando 34 horários eletivos por semana para Cirurgia Geral, 12 a 15 horários eletivos por semana para a Cirurgia Plástica. Além disso, o hospital tinha um Centro de Terapia Intensiva (CTI) com 17 leitos, Unidade de Tratamento de Queimados, Unidade Coronariana (UCo) com 11 leitos, serviço de transplante renal e todas as especialidades cirúrgicas elencadas, na época, pela AMB.

Como pretendia tornar-me professor universitário e retornar à FCMBB para ajudar a implantar a disciplina da Cirurgia Plástica, pareceu-me uma boa ideia “alargar meus horizontes”…

Em 1981, voltei como contratada sob o regime de dedicação integral. Fiz pós-graduação pelo Curso de Bases Gerais da Cirurgia – Cirurgia Experimental. Tornei-me estatutária em 1998. Desde então, estou aqui e nunca me arrependi da escolha feita.

Aposentei-me em 2016, principalmente devido às mudanças que poderiam ocorrer nas normas da previdência. Mas, mesmo aposentada continuei a prestar serviço nas atividades assistenciais e de ensino. Devido às

circunstâncias, fui contratada como médica pela FAMESP (Fundação Médico Hospitalar), em 2018.

Acredito, sinceramente, que professores até podem se aposentar, mas médicos não, desde que continuem estudando.

2. Há quanto tempo faz parte da SBCP? Quais atividades científicas foram executadas junto a esta entidade?

Devido às inúmeras atividades que exerci na Faculdade e a disciplina de Cirurgia Plástica contar com número pequeno de docentes (dois em regime de dedicação integral e um em dedicação parcial), na maior parte do tempo, pouco pude contribuir diretamente com a SBCP, exceto nos primeiros anos. Colaborei de outras formas, principalmente ajudando a formar especialistas.

3. Na sua opinião, qual a importância dos eventos da Regional São Paulo serem realizados no Interior?

Um achado! Gostaria que esta descentralização houvesse ocorrido tempo atrás… Nesta hipótese, talvez a colaboração de vários especialistas houvesse sido muito mais intensa e eu, particularmente, talvez não tivesse tido que fazer as “escolhas de Sofia” que fiz.

4. Como recebeu a homenagem “Justo Tributo” durante a Jornada de Botucatu?

Se o mérito se refere ao aspecto da formação de pessoal médico e aperfeiçoamento de outros profissionais, posso dizer que talvez o fato de eu ter aceitado recebê-lo não tenha sido inadequado. Sob outros pontos de vista, poderá ter parecido presunçoso, no mínimo. No entanto, acreditando que esta homenagem contemplou o trabalho realizado não só pela minha pessoa mas pela Disciplina de Cirurgia Plástica, do Departamento de Cirurgia e Ortopedia da Faculdade de Medicina de Botucatu em prol da Medicina e da Cirurgia, em especial a Cirurgia Plástica em nosso país e sendo eu sua representação, o mérito seria justo por ser institucional; creio então ter sido merecedora o ato.

5. Qual a sua mensagem aos residentes para a correta relação com os professores, colegas e o aprendizado em cirurgia plástica.

A profissão do educador e, portanto, do educador-médico é formar. O uso deste verbo implica em, eventualmente, a informação ser insuficiente. Implica em se somar palavras e obras a atitudes, ética, conhecimento e escolhas. Da mesma forma, que aprenderemos com alguns como não ser e não fazer; com outros como não ser, mas como fazer; e, se tivermos sorte, encontraremos alguém que nos ensinará como ser e também como fazer. E, tudo isso, seja na vida ou na prática médico-cirúrgica. Eu sempre tentei e tento fazer parte desta última categoria, embora tenha dúvidas de se realmente consigo ou conseguirei.

Aprendemos e seremos cobrados em relação à ética, que não é um conjunto de pieguices recitadas de maneira inconsequente quando recebemos o diploma de Medicina. Ela é um conjunto de leis e compromissos que, no mundo atual, está se tornando cada vez mais complexo. Longe de estarmos seguros quando respaldados pela ética, acredito que teremos menos problemas em situações críticas se tivermos origem em famílias éticas, estudarmos em instituições éticas e nos orientarmos pela Bioética em nossa prática médica-cirúrgica diária.

Cirurgiões plásticos devem ser, em primeiro lugar, médicos, a seguir, cirurgiões gerais e finalmente, cirurgiões plásticos e super-especialistas. A construção desta escada não é fácil; não se deve tentar pular etapas. A construção de uma carreira se faz de maneira parelha à de uma casa, estabelecer bons fundamentos para que a carreira seja duradoura. Isso implica em criticar primeiro a si mesmo, fazer um seguimento criterioso e objetivo de seus pacientes, analisar os avanços da especialidade e diferenciar tendências de modismos, como, por exemplo, na atual utilização das mídias sociais que deve ser utilizado de maneira muito criteriosa.

Um vaidoso com alto QI pode ser manipulado por um idiota.

Devemos dispensar aos nossos colegas de profissão o mesmo respeito que julgamos merecer, pois é sempre fácil ser um “médico do dia seguinte”.